Dias Trevosos
30/05/2021
São dias trevosos. O mundo está mudado. Qualquer roda de conversa admite que as coisas estão muito diferentes.
O “novo normal” parece ser o de permanente estado de ebulição e de uma quase erupção, iminente, de um vulcão social de impensáveis proporções.
Odiar está na moda. O enraivecer, o emular a ira. As redes sociais têm um papel notável de caixa de ressonância de ódio.
Uma singela discordância sobre um ponto qualquer, uma preferência por time de futebol ou preferência política incendeia a aldeia.
Todos os bares, mencionados por Umberto Eco, estão vazios: as praças, as redes sociais foram dominadas por eles.
Ser ignorante, e exibir a própria ignorância, tornou-se não só obrigatório como meritório.
Suplico ao leitor um exercício que pode ser mais complicado do que parece, a princípio. Especialmente ao leitor colérico, partidário de causa qualquer, apreciador mais de tretas em redes sociais do que de um bom vinho.
Considere a ideia que está sendo discutida nestas linhas. O que está sendo dito.
Abstraia tanto de eventual apoio como de eventual crítica pré condicionada por qualquer razão a este jornal. Difícil, impossível - diriam alguns. Mas não é.
Se conseguir começar, o exercício pode soar como blasfêmia, heresia ou algo que o valha, não desista.
Acredito que, até aqui, a concordância com o que foi falado neste editorial seja total. A questão é que temos - nós humanos - a compulsão por sempre atribuir falhas ao “outro”.
Hipótese. Trate como mera hipótese.
Considere como hipótese que o “outro” que você odeia (por ser de direita, ou por ser de esquerda, por ser de centro) seja como você.
Se você não odeia ninguém desta forma, você já entendeu sobre o que falamos aqui.
Mas se você odeia alguém desta forma, considere que o “outro” é uma pessoa como você. Tem família, tem afetos, tem sentimentos, como você mesmo os tem.
Tente ver, no “outro”, alguém que tem o mesmo direito que você de se expressar, de pensar, de falar e de ocupar espaços públicos para “vender seu peixe”, para falar o que pensa e como devem ser tratadas coisas públicas.
Veja o “outro” como um ser humano, como você mesmo.
Agora, se você odeia outro ser humano por escolhas de pensamento ou de opção sexual; se você odeia alguém por não pertencer a uma “família” com sobrenome pomposo ou ainda por preferência política ou mesmo apenas por ele existir... ...se você pensa que qualquer dos grupos mencionados acima ou ainda uma raça, uma etnia, um grupo social deva ser exterminado da face da Terra, bem, talvez de fato você esteja além do alcance deste exercício.
A Alemanha Nazista existiu dentro de um ordenamento jurídico e social que, até hoje, inspira alguns. O extermínio de judeus e de outros considerados indesejados pelos que entendiam ter nas mãos o controle da sociedade foi algo horrível e que não deve se repetir.
Mas teve um começo. A semente é o ódio. Talvez não nos caiba erradicar essa semente no “outro”. Mas podemos erradicá-la em nós mesmos.
Ao trabalho.
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