RACHEL AP. BUENO DA SILVA
Entre os dias vinte e um de janeiro e treze de fevereiro de 2019, no Canal Paz e Bem e TV 247, foi apresentado o curso Canudos – o Belo Monte de Antônio Conselheiro, dividido em 8 aulas, totalizando aproximadamente 10 horas de excelente conteúdo a respeito do tema.
O curso foi ministrado pelo Prof. Dr. Pedro Lima Vasconcelos, conferencista oficial da Semana Euclidiana em 2017 e é baseado em seu livro O Belo Monte de Antônio Conselheiro: uma invenção “biblada” (Maceió: Edufal, 2015). Trata-se de trabalho primoroso, de muita pesquisa, com apresentação de documentos e bastante didático, fugindo do academicismo pedante, permitindo assim o acesso e a compreensão a todos que desejarem se aprofundar no assunto.
O Arraial do Belo Monte, como era chamado Canudos por seus moradores, é apresentado pelo Prof. Pedro sob nova ótica, trazendo importantes revelações a respeito da vida de seus habitantes, assim como de seu lÃder Antônio Conselheiro.
Prof. Pedro faz também criteriosa análise histórica e polÃtica do momento vivido pelo Arraial, dos elementos e dos interesses existentes que o cercavam, mostrando a ação de uma elite poderosa sobre uma população pobre e desassistida.
Em diversas aulas, o Prof. Pedro cita Euclides da Cunha e seu livro Os sertões, lendo trechos ou fazendo referências ao seu trabalho. Reconhece o valor histórico, social e literário da obra. Prof. Pedro intitula-se um conselheirista e não esconde sua grande admiração por Antônio Conselheiro, o que é perfeitamente compreensÃvel quando o pesquisador se envolve com seu objeto de pesquisa. Entretanto carrega nas expressões para descrever o que, no seu entendimento, acredita ser o pensamento de Euclides da Cunha em relação ao Conselheiro.
Não vamos discutir aqui o que é conhecido como licença poética do autor, ou se o livro Os sertões é ou não uma obra de ficção, nem sua narrativa, isso é material para muitas pesquisas e discussões em outro momento.
A preocupação versa exatamente pelo fato do Prof. Pedro ter uma excelente retórica, ser respeitado no mundo acadêmico e um importante formador de opinião.
Vivemos um momento de nossa história em que a intolerância, a falta de diálogo e reflexão tomaram conta das mentes, em que se escuta uma frase, ou palavra e se conclui todo o resto, de acordo com a conveniência.
Ao dizer que Euclides da Cunha venenosamente mostra a vida de Antônio Conselheiro, ou que Euclides da Cunha vilipendiou Antônio Conselheiro, ou que Euclides da Cunha tratou Antônio Conselheiro como caricatura, ou ainda referir-se à escrita de Os sertões como: A pena venenosa de Euclides da Cunha, ou usar expressões como as mentiras de Euclides da Cunha, Prof. Pedro cria uma atmosfera de rejeição ao autor e sua obra e certamente essa não foi a sua intenção, lembrando que o citado professor participou inúmeras vezes da Semana Euclidiana, ministrando aulas no ciclo de estudos, fez pesquisas nos arquivos da Casa Euclidiana e já foi conferencista oficial, como dito anteriormente.
Também não posso deixar de citar a fala do senhor Mauro Lopes, que atua como mediador das aulas, ao referir-se ao fato de Euclides da Cunha ser o homenageado da FLIP 2019, na cidade de Paraty, falando sobre ir à festa literária e levar a verdade aos euclidianos. Inadequado pronunciamento, principalmente a quem fala em nome da Paz e Bem.
Durante a FLIP, a jornalista e escritora Marilene Felinto, em uma mesa, foi aplaudida em pé ao denunciar a visão racista de Euclides da Cunha, evento noticiado pelo “Estadão”, o que preocupa são esses levantes em que se pensa estar trazendo novas revelações. Sabemos que não são. Euclides, como homem de seu tempo, foi fiel à ciência de sua época. Olhar hoje para essas posições de Euclides, sem contextualizar historicamente o perÃodo é um anacronismo Ãmpar. Aà não resta dúvidas, Euclides será racista, qualquer um será. Os intelectuais de hoje, ao se colocarem diante de grandes plateias, precisam estar atentos à s repercussões de suas falas, pois são formadores de opinião. Digo isso também em relação ao Prof. Pedro Lima Vasconcelos, pois na atual conjuntura, pode-se falar cem coisas positivas a respeito de alguém, porém uma única que não esteja adequadamente colocada é motivo para se destruir toda uma http://jornaldemocrata.com.br/imagem e um trabalho. Vivemos nos tempos das fake news, que contadas como se fossem verdades, acabam sendo assumidas como tais.
Dizer que Euclides da Cunha impõe o tema da Guerra de Canudos, assim como sua interpretação através de sua obra, são afirmações que precisam ser contextualizadas, pois através da força literária da obra Os sertões, a guerra no interior da Bahia ganha conhecimento e notoriedade até os dias de hoje e como disse a pesquisadora Prof.ª Walnice Nogueira Galvão, na conferência de abertura da Flip 2019, “a leitura diária de Os sertões ajuda a entender o Brasil”.
Embora outros autores também tivessem relatado a guerra, como fez o também jornalista Manoel BenÃcio em seu livro O rei dos jagunços, não houve produção com a mesma força do texto euclidiano.
Sobre as análises feitas sobre Euclides e seu pensamento em relação ao Conselheiro, ao Arraial de Canudos e à sua população, há de se observar a existência de outras vertentes e que o assunto não se esgota em um único aspecto.
Deixo aqui minhas impressões por discordar da forma como foram feitas tais colocações pelo Prof. Pedro, mas não deixando de reconhecer o valor do trabalho realizado por ele junto ao Canal Paz e Bem. Num mundo civilizado, as discordâncias fazem parte da construção saudável de uma sociedade democrática, onde deve imperar o respeito ao pensamento e às ideias divergentes.
Rachel Ap. Bueno da Silva é professora do Ciclo de
Estudos Euclidianos
Campinas, agosto de 2019.