Colégio, Comunidade e Polêmica: onde está o racismo?
12/05/2025
O que começou como mais um possível caso de postagem infeliz em redes sociais transformou-se na principal polêmica da semana em São José do Rio Pardo.
A linha de atuação adotada pela direção do Colégio Unigrau fomentou o debate e gerou animosidade, mobilizando nas redes sociais membros da Comunidade Católica Deus Proverá. O líder da comunidade, chamado de “Pai Fundador”, Rodrigo Dias, também exerce a liderança sobre o colégio, administrado pelo padre Rogério, igualmente vinculado à comunidade.
A redação recebeu diversas mensagens de internautas que interpretaram a postagem como preconceituosa e com teor racista.
Na imagem, aparece um menino negro segurando um pequeno boneco preto ao lado de uma criança branca com uma mochila. A legenda diz:
“Não confunda gorila com mochila.”
A publicação foi, no mínimo, profundamente infeliz.
Primeiro, por permitir a associação imediata entre a criança negra e o gorila. Segundo, pela composição da imagem: o boneco (suposto “gorila”) mal aparece, enquanto a mochila tem destaque desproporcional. Essa escolha visual induz a leitura ofensiva que causou revolta entre os internautas.
A maioria das pessoas que viu a postagem associou-a, de imediato, a um conteúdo racista.
Considerando o bom senso e a razoabilidade, supõe-se que tenha havido um equívoco. A redação do jornal tentou contato com a direção do Colégio Unigrau, por e-mail, solicitando esclarecimentos.
Inicialmente, esperava-se que a escola emitisse uma nota reforçando seus valores cristãos, desculpando-se por um possível erro involuntário e se comprometendo a trabalhar princípios de igualdade junto aos alunos e equipe docente.
Mas essa expectativa não se concretizou.
A direção optou pelo silêncio.
Enquanto isso, membros da Comunidade Católica Deus Proverá passaram a se manifestar nas redes sociais, utilizando tom forte e agindo em bloco – postura coerente com o lema da comunidade: “unidade”. Não esqueça -se de que antes de “unidade”, teria de vir a “paz”.
Alguns membros chegaram a acusar a chamada da matéria de mentirosa, numa reação que, vinda de um grupo religioso, causou tanta ou mais estranheza do que a postagem original.
Em paralelo, os pais da criança envolvida publicaram uma nota nas redes sociais dizendo que, inicialmente, não viram problema na postagem. No entanto, após a repercussão, foram chamados pela direção da escola e, juntos, decidiram apagar a publicação. A pergunta que se impõe é: se não havia problema algum, por que apagar a postagem e realizar uma reunião com a direção? Até o momento, essa questão permanece sem resposta.
Se a postagem foi o primeiro fato social que desencadeou a polêmica, a reação dos pais representou o segundo movimento. O terceiro foi a atuação articulada de dezenas de membros da Comunidade Deus Proverá, que passaram a criticar severamente os jornalistas autores da matéria, inclusive com ataques pessoais e acusações indevidas.
Nos comentários, membros identificados com a sigla “CDP” nos perfis fizeram a defesa do colégio, mas evitaram discutir o conteúdo da postagem ou as interpretações possíveis. Restringiram-se a dizer que os pais da criança não viram racismo na imagem.
Alguns insinuaram que os jornalistas teriam agido por maldade ao divulgar a notícia.
Nada poderia estar mais distante da realidade. A comunidade e o próprio “Pai Fundador” já foram elogiados pelo editor do DEMOCRATA, que inclusive colaborou pessoalmente com iniciativas assistenciais da entidade.
Demonizar com tal intensidade qualquer crítica aos líderes religiosos ou à conduta de seus membros é, por si, um novo fato social digno de nota.
Por fim, no dia 9 de maio, às 14h18, o colégio enviou ao DEMOCRATA uma “nota à imprensa”, solicitando que ela não fosse publicada. Em respeito ao pedido, a imagem da nota foi incluída nesta matéria, com o conteúdo borrado, exceto o trecho que expressamente veda sua divulgação – medida adotada para dar ciência ao leitor.
A sucessão de erros de avaliação por parte da direção de um colégio que se propõe a formar líderes com base em princípios confessionais é, por si só, um fato jornalístico relevante.
Vivemos uma era de comunicação rápida e ampla nas redes sociais. Se até o cidadão comum deve ter cautela, mais ainda se espera de uma instituição de ensino dirigida por um padre e vinculada a uma comunidade religiosa.
Se a liderança do colégio demonstra dificuldades em lidar com essas ferramentas, como pode se propor a ensinar seus alunos a navegar por elas?
A questão de fundo é evidente: a publicação foi, no mínimo, infeliz. Mais infeliz ainda foi o silêncio posterior da direção, que deveria ter se manifestado de forma clara e rápida à imprensa e ao público.
Ao optar por publicar a imagem em perfil aberto nas redes, a escola submeteu o conteúdo ao escrutínio público – independentemente de sua intenção original.
A situação torna-se mais grave quando se afirma não ter havido qualquer problema em associar, ainda que de forma indireta, uma criança negra a um gorila. Tal insensibilidade diante do sofrimento causado pelo racismo levanta questões sérias. Se nem em uma escola paga esse tipo de associação é identificado como ofensivo, o que dizer do atendimento oferecido aos negros em situação de vulnerabilidade social nas obras assistenciais sob a mesma gestão?
A manifestação de Francisco Oliveira, negro e conhecedor de questões pertinente a preconceito racial, deu o tom que faltou à instituição:
“Uma escola privada da cidade onde resido, por meio de uma ‘dinâmica’ entre alunos, usou um menino negro para ilustrar um trocadilho com a frase: ‘Não confunda mochila com gorila’. Em respeito ao garoto, que sequer compreende o racismo que sofreu, não comentarei a defesa feita por seu genitor à escola. Em respeito à raça negra e por tratar-se de um direito fundamental, é meu dever encaminhar o caso aos órgãos competentes. RACISTAS NÃO PASSARÃO.”
Enquanto a postagem esteve restrita aos pais e à escola, a interpretação dos fatos permaneceu sob seu controle. Mas, ao ser publicada nas redes, a imagem foi compartilhada amplamente, acompanhada de manifestações de indignação em grupos de WhatsApp.
O Colégio submeteu a imagem de seus alunos, em contexto no mínimo inapropriado, à opinião pública em redes sociais.
Quando o caso chegou ao DEMOCRATA e à RPLAY TV, os jornalistas apenas cumpriram seu dever: informar e fomentar o debate sobre os impactos sociais das novas tecnologias e a promoção de valores como respeito e empatia.
A ideia de que, se os pais não viram racismo, então não houve racismo, não se sustenta. Se tudo era aceitável, por que a reunião com a direção e a exclusão da postagem antes mesmo da repercussão na imprensa?
A publicação estava em ambiente público. E muitos se sentiram ofendidos. Atacar quem se sentiu assim não contribui para a superação do episódio – ao contrário, apenas aprofunda feridas, alimentando a lógica do racismo estrutural.
A omissão de não agir contra uma clara injustiça ou mesmo a aparente soberba de não reconhecer os próprios erros, que são de natureza humana, faz com que quem ocupa o papel de liderança perca credibilidade. O bom líder se destaca não somente nos momentos de glória e de ações sociais de arrecadação, mas lidera pelo exemplo. Até quando comete erros e tem humildade de reconhecer e se desculpar.
O Ministério Público do estado de São Paulo recebeu questionamento do jornal, mas, até o fechamento desta edição, só acusou o recebimento do questionamento.
A Delegacia Seccional de Polícia, consultada, informou que determinou instauração de inquérito policial para apurar os fatos.
A editora do livro infantil usado na postagem, consultada, enviou nota ao jornal afirmando que
“O grupo Santillana manifesta seu repúdio a qualquer forma de discriminação, preconceito ou intolerância. Como instituição comprometida com a educação, defendemos uma formação integral pautada no respeito aos direitos humanos, à valorização da diversidade e à promoção da equidade. A empresa reitera, assim, seu comprometimento com a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e democrática, por meio de práticas educativas que incentivam o pensamento crítico, o respeito mútuo e o aprendizado significativo.”
O jornal consultou via ouvidoria da Câmara Municipal os vereadores, mas até o fechamento desta edição não haviam respondido ao questionamento do jornal.
Vários diretores de instituições de ensino e professores da cidade foram consultados, mas preferiram não se manifestar.
Os internautas que enviaram a postagem ao jornal e disseram sentir-se ofendidos com ela pediram para seus nomes serem mantidos em sigilo, temendo represálias após ver a forte reação em redes sociais dos defensores da postagem original.
A imprensa cumpre seu papel: fomentar o debate público, promover o respeito às diferenças e registrar os fatos como ocorreram.
O espaço segue aberto para manifestações das partes mencionadas.
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